O segundo Domingo da Quaresma todos os anos nos convida a meditar sobre a transfiguração do Nosso Senhor Jesus Cristo num Monte da Galileia, normalmente identificado com o Monte Tabor. Nas Escrituras, a montanha é o lugar das teofanias, ou seja, da manifestação de Deus.
Esta concepção não está longe da crença africana, segundo a qual a montanha é a morada dos espíritos bons e maus. Construíram-se santuários nas montanhas, o que significa que elas eram também lugares de oração a Deus ou aos antepassados. Tratando-se de lugares sagrados, era proibido aceder a elas em qualquer momento, de modo que ninguém se aventurava a ir lá em qualquer ocasião. Também na primeira leitura há um lugar elevado em destaque, o Monte Moriá, onde Abraão vai para oferecer o sacrifício que lhe é pedido por Deus.
Jesus sobe à montanha com três discípulos para rezar. A oração é um dos pilares da Quaresma. Somos convidados a embarcar com Jesus e os seus discípulos nesta oração. Estes três apóstolos são aqueles que hão de testemunhar alguns dos momentos importantes na vida e missão de Cristo: a ressurreição da filha de Jairo, a oração no Jardim das Oliveiras.
Por que motivo Jesus os leva consigo ao cimo desta montanha? Para lhes mostrar a sua glória, ou seja, para a sua transfiguração. Quando rezavam, o rosto de Cristo tornou-se radiante, de uma brancura incomparável. A candura é um sinal de pureza. É a glória de Jesus que se manifesta diante deles. Porquê naquele preciso momento? Os Evangelhos dizem-nos que foi um gesto pedagógico, com a finalidade de amortecer o choque que o anúncio da paixão e morte de Jesus tinha causado neles, enquanto acontecimento trágico que abalaria a sua fé. Descobrindo a sua glória, os apóstolos deviam lembrar-se dela no momento da agonia, para compreenderem que a paixão e a morte nada são em comparação com a glória que há de ser revelada pela sua ressurreição. No Sinai, o povo de Israel tinha medo de olhar para o rosto de Deus; neste episódio, os apóstolos têm a coragem de suportar o rosto radiante do seu Mestre, pelo menos por alguns instantes. Apareceram dois homens que também tinham feito a experiência da manifestação de Deus na montanha: Moisés e Elias. São dois homens que fazem a síntese da lei e dos profetas.
Jesus é o cumprimento da lei e dos profetas. De facto, a sua proclamação será finalmente realizada através do dom da sua vida e da sua ressurreição. O evangelista não diz nada sobre o conteúdo da conversa de Jesus com eles, mas sabemos que estavam a falar da sua próxima partida para Jerusalém para o sacrifício supremo pela redenção da humanidade. É por isso que também nós estamos interessados nesta presença no Monte da Transfiguração, na medida em que nos preparamos para viver na fé a paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor. Ouvir a lei e os profetas há de ajudar-nos a fazer um bom caminho até à Páscoa e, por conseguinte, até à Páscoa eterna na casa do Pai.
Eles foram envoltos pela nuvem, que simboliza a presença divina. É a nuvem que acompanhou o povo de Israel durante o êxodo. Repete-se a experiência do batismo. A mesma voz do Pai diz-nos: “Este é o meu Filho muito amado”, acrescentando: “Escutai-o”. No Batismo, o anúncio era diferente deste. É a manifestação da Trindade. O Pai fala e o Filho, Palavra do Pai, é transfigurado, enquanto o Espírito envolve o espaço da nuvem. Os apóstolos caem e cobrem os seus rostos como os israelitas no Sinai. O homem não pode ouvir a Deus sem tremer. Quando acordam, descobrem Cristo sozinho que os convida a não revelar a ninguém o que acabaram de experimentar, até à sua ressurreição.
Senhor, nós te seguimos, como Abraão a quem fizeste embarcar na aventura da fé. Estamos certos de que nos hás de levar à glória da ressurreição, passando através dos tumultos e tribulações, das alegrias, das tristezas e dos sofrimentos das nossas vidas.