“Vinde a mim, todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28).
Na Venezuela, ao final de uma conversa é costume dizer: “Cuide-se!” Esta expressão tornou-se um hábito quando dizemos adeus. Isto não acontece por acaso. Muitas famílias venezuelanas choraram por um parente morto por uma bala; roubos ou sequestros não são incomuns. Este “cuidado” não tem sido menor nos últimos dias, especialmente entre 6 a 8 de julho de 2021, vividos na expecitativa que a situação se acalme em breve. Durante esses três dias, houve tiroteios contínuos, com pequenas tréguas, entre os grupos armados compostos em sua maioria por jovens, e a Polícia, na região que é chamada Sector Cementerio, no sudoeste de Caracas, onde está localizada nossa paróquia dehoniana “San Miguel Arcángel”. Esses bairros do Sector Cementerio e da Cota 905 são controlados por estes grupos armados e entre eles são distintos os “pranes” (chefes).
Sempre houve tensão entre a polícia e os grupos armados da vizinhança, até mesmo negociações, mas desta vez o confronto atingiu seu limite. O terror e o medo tomaram conta da população do Sector Cementerio por causa dos tiros, produzindo latidos de cães, gritos e até choro. As mensagens que recebemos dos paroquianos mais próximos eram: “está perigoso”, “está horrível”, “tomem cuidado”.
De nosso terraço vimos numerosos grupos policiais e também alguns blindados. Uma das nossas janelas foi atingida por dois tiros. Desde o dia 7 ficamos sem eletricidade em toda esta área. Ainda hoje (9) há muitas pessoas que continuam sem eletricidade, preocupadas com a possível falta de água e que a pouca comida existente possa se perder. Após dois dias escutando tiros e explosões de granadas, no início da manhã do dia 8, decidimos ir para nossa casa no Seminário de Filosofia, que é mais distante do Sector Cementerio e nos protegermos ali.
Na saída, vimos muitas pessoas descendo do bairro, mulheres com crianças, pessoas com sacolas e mochilas, indo para a casa de um conhecido ou parente para se abrigar, como nós, em um lugar mais distante. Naquele momento pensei em tantas pessoas que eu tinha visto na televisão fugindo de suas casas com seus poucos pertences por causa da guerra, mas isso agora se tornou uma realidade na população do Sector Cementerio.
Também em nosso seminário acolhemos algumas pessoas do Sector Cementerio. Outras oito pessoas ficaram em uma casa que temos na mesma rua do seminário. É possível ver o medo e o cansaço nos seus rostos. É bom que nosso seminário tenha se tornado um lugar de abrigo e alívio para eles. Os religiosos e os formandos, alterando seus horários, atendendo as pessoas e multiplicando os tarefas, alteraram a programação. Entretanto, eles entendem que esta é a nossa missão: “Vinde a mim os que estão cansados e sobrecarregados e eu lhes darei descanso” (Mt 11,28).