26 abril 2021
26 abr. 2021

A oração de petição

© photo credit: Ric Rodrigues

Em plena pandemia, mais cedo ou mais tarde, quase todos nós nos perguntámos “por que?” e, como crentes, dirigimos uma invocação ou uma súplica a Deus: “mas por que Senhor? Será que me falta a fé por procurar compreender?”. Ou ficamos desapontados, quando Deus – pelo menos assim parece – não responde: “mas será que Ele existe realmente?"

por  Luca Garbinetto
Testimoni

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Um canto dos Navajo (dos índios da América) diz: “O homem é uma questão a caminho!”.

Esta descrição do ser humano parece sugestiva e significativa, num tempo em que tanto gostaríamos de ter respostas e certezas, e até as pedimos com insistência ao Senhor (pelo menos quem acredita, mas por vezes também quem não acredita…). Em plena pandemia, mais cedo mais tarde, quase todos nos perguntamos “porquê?” e, como crentes, dirigimos uma invocação ou uma súplica a Deus: “mas porquê Senhor?”. Por vezes sentimo-nos culpados, por termos dirigido a Deus um grito que podemos considerar: “Será que me falta a fé – dizemos a nós mesmos – por procurar compreender?”. Ou ficamos desapontados, porque pela enésima vez, quando neste contexto muito grave, Deus – pelo menos assim parece – não responde: “mas será que Ele existe realmente?” E lá vem uma interrogação a seguir à outra…

Na verdade, a crise que estamos a atravessar apenas colocou em evidência algo que já existia antes. Nós, os seres humanos, não gostamos muito que as coisas nos escapem das mãos, ou seja, não gostamos de não poder controlar as coisas. Especialmente nós, seres humanos dos países ricos, embriagados pelo poder (isto é, pelas oportunidades) e peritos em tecnologia.

Mas é interessante verificar que Jesus, por sua vez, não nos pede que tenhamos tudo claro, nem sequer que encontremos uma solução para tudo. O seu convite soa bastante paradoxal: “Se pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu a farei. […] Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo dará” (Jo 14,13; 16,23). E se quiséssemos insistir: “Não é verdade! Eu pedi e Ele não respondeu!”, eis a surpreendente declaração do Senhor: “Até agora [ainda] não pedistes nada em meu nome”, por isso “pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16,24). Talvez seja apenas a ilusão de ter pedido alguma coisa sem o ter feito na verdade, ou então a confusão de que um certo pedido requer um tipo de resposta específico, sem que a pessoa se dê conta que já estava a receber outra resposta. Na verdade, um pedido é, por definição, um risco: pode ficar sem resposta ou pode obter uma resposta diferente da que se esperava. Talvez seja por isso que, por vezes, preferimos – talvez inconscientemente – evitar pedir. Mesmo a Deus.

Em suma, parece que até o Evangelho confirma a intuição dos irmãos Navajo: para ser feliz, é preciso pedir, questionar, mais do que ter respostas!

Há pedidos e pedidos

Quem pede permite-se, antes de mais, o luxo de ser frágil, de reconhecer que está numa situação de necessidade. Numa passagem quase contemplativa, o Catecismo da Igreja Católica dá-nos a confirmação de que “é pela oração de petição que nós exprimimos a consciência da nossa relação com Deus”, de modo que “a petição já é um regresso a Ele” (CIC 2629). Mesmo que inicialmente o movimento intrínseco à oração de petição fosse apenas um movimento de desafogo gerado pelo medo e pela fúria, constitui também um primeiro momento em que me volto para o Senhor. Assim, isto implica já desde o início a escolha consciente de entrar numa relação com Ele.

Contudo, também é verdade que há pedidos que são ineficazes, não tanto no sentido de ficarem sem resposta, mas de não atingirem o objetivo da relação. São pedidos que pressupõem uma atitude contrária à da confiança necessária para estabelecer uma relação com o outro e, portanto, também com Deus. Na nossa própria experiência já nos damos conta de que algumas formas de nos colocarmos e de fazermos pedidos, mais que favorecerem o nosso amadurecimento pessoal, bloqueiam o caminho do crescimento e impedem uma adesão à realidade.

Isto é o que acontece também a nível pessoal. Os pedidos ou questões que não estão suficientemente centrados no objetivo são, por exemplo:

– O pedido do cético, ou seja, alguém que faz um pedido ou uma pergunta, não para ouvir a resposta, mas para demonstrar indiretamente o seu desinteresse de a procurar. O cético pede, mas sem o desejo de compreender ou de entrar em relação e alimenta a “dúvida crónica” própria de quem se mascara com a falta de dados e de recursos para confirmar a sua falta de responsabilidade. O cético é cínico, indiferente ao outro, e usa o pedido como uma subtil arma de autodefesa. Por exemplo, os saduceus eram pessoas muito céticas, aparentemente religiosas, mas na realidade eram materialistas.

– O pedido que põe o outro à prova, frequentemente utilizado nas perguntas dos escribas e fariseus contra Jesus. O objetivo é apanhar o interlocutor em flagrante, pelo que se concebe um estratagema de modo a montar uma armadilha através de leituras inadequadas da realidade.

– O pedido egocêntrico é aquele que pretende receber de acordo com os seus próprios interesses e lucros pessoais, tanto ao nível material como ao nível da autoestima. Procura-se riqueza e aprovação, ou então pretende-se minorar o esforço da procura, “roubando” aos outros respostas e propostas das quais pretende apoderar-se indevidamente.

Portanto, é preciso atenção para não enchermos também a nossa oração com estas atitudes essencialmente orgulhosas, incapazes de reconhecer a nossa pobreza constitutiva.

 

No terreno da confiança

Se um pedido é autêntico, move-se no terreno da confiança, que é terreno fecundo, ou melhor, fecundável. Na verdade, o movimento do pedido é substancialmente a abertura à relação, o reconhecimento da nossa incompletude constitutiva, a disponibilidade para nos tornarmos naquilo que somos: seres dialógicos.

Há em nós uma experiência natural de tensão entre, por um lado, o desejo de plenitude e de eternidade e, por outro, a inevitável e muitas vezes dolorosa experiência de sermos limitados, incapazes de alcançar o que procuramos por nós próprios. A mais verdadeira natureza da criatura humana está nesta falta irredutível, que se traduz em saudade, procura e paixão. Os outros seres animados não fazem pedidos, no máximo colocam exigências (com o seu comportamento, sem o dom da fala). No nosso caso, nós somos verdadeiramente nós mesmos apenas na medida em que acolhemos a presença necessária do outro, a ponto de reconhecer que deve haver também um Outro que ultrapassa os pedidos meramente terrenos.

Assim, quando Jesus nos convida a pedir, exorta-nos a sermos nós mesmos, sem medo. Porque dentro de cada pedido autêntico, há outro pedido implícito que, de certa forma, o precede e o torna possível. E é precisamente o pedido para conhecer a nossa identidade e a do outro. Para pedir, de facto, dirijo-me a alguém, e este alguém revela-se a mim na dinâmica da resposta. É como se, pedindo, fizéssemos experiência do terreno da relação, para verificar se é de confiança e mais ou menos conscientemente olhamos, procuramos o rosto daquele a quem estamos a interrogar, e fazemos-lhe uma pergunta fundamental: “quem és tu?”.

Que quer dizer: “És de confiança”? Posso confiar, posso acreditar em ti? Não vais magoar-me se eu me abrir com a minha vulnerabilidade dolorosa e inexplorada?”. Pedir é, de facto, descobrir-se, revelar-se, baixar armas, permitir que a outra pessoa tenha acesso à nossa intimidade, que é fundamentalmente nudez. Pedir é retirar algumas das camadas de folhas de figueira com que os nossos primeiros pais se cobriam, receosos e bloqueados pela ideia de que o outro, e Deus em particular, pudesse constituir uma ameaça e um perigo para eles.

É por isso que, no convite de Jesus, é fundamental dirigir o olhar para aquele que acolhe o grito do nosso pedido: é um Pai amoroso e solidário, um guardião que não abandona os seus filhos, um Deus que dá o Espírito ainda antes de lho pedirmos, para nos fazer experimentar a beleza de sermos protegidos e sustentados por um amor totalmente gratuito. Descobrir a verdade de Deus como Pai de misericórdia, tal como Jesus no-lo revela, já é receber a resposta mais importante à questão existencial inerente a qualquer outro pedido ou a qualquer outra pergunta.

Não, não temos nada a temer, embora fiquemos com pontos de interrogação em aberto….

De facto, falando em termos gráficos, é curioso que o sinal de pontuação que indica uma pergunta seja um movimento curvo de abertura, ao contrário da paragem total ou do ponto de exclamação, que parece colocar um tropeço ou uma parede intransponível no caminho. O ponto de interrogação deixa uma procura em aberto. Em espanhol, é costume, neste caso das perguntas, colocar o ponto invertido no início da frase em questão. Desta forma, são uma espécie de dois ganchos complementares, quase a sugerir simbolicamente que estão presos um ao outro.

Então, talvez não estejamos a exagerar, se imaginarmos que Deus também dá resposta às nossas perguntas e aos nossos pedidos com uma mão que se abre e se estende para nós, não para dar uma resposta perentória e definitiva, mas para segurar a nossa mão e partirmos juntos para a nossa busca.

Deus Pai não é o Senhor das soluções, mas da alegria: esta é a verdadeira resposta às nossas perguntas, que deixarão de existir apenas quando estivermos totalmente na sua presença, transbordando de alegria: “Também vós agora estais tristes; mas Eu hei de ver-vos de novo e o vosso coração se alegrará e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria. Nesse dia, não Me fareis nenhuma pergunta”. (Jo 16,22-23a).

Deus em Si mesmo talvez seja mais um pedido de relação do que uma resposta perentória e definitiva. Quiçá por isso o Espírito está habituado a soltar gemidos dentro de nós e “vem em auxílio da nossa fraqueza, porque não sabemos o que pedir nas nossas orações” (Rm 8,26). Sabe Ele; e Ele pede, em vez de nós, por nós.

Os riachos das questões e dos pedidos

Ao pedido fundamental sobre a nossa identidade, que se transforma em vocação quando é feito Àquele que entra em relação connosco, juntam-se também todas as questões e pedidos saudáveis e salutares que tecem o nosso dia com vivacidade. São como as cerejas, uns a seguir aos outros. O quotidiano, de facto, é uma imagem da nossa natureza íntima enquanto criaturas abertas ao infinito.

Assim, fazemos e dirigimos vários tipos de pedidos uns aos outros.

– Pedimos para obter, quando precisamos de alguma coisa, quando não somos capazes de obter o que precisamos para o nosso crescimento. Não há nada de errado nisto: o homem também vive do pão. O essencial é ter presente que não basta sequer o suor do rosto para o ganhar, já que tudo é dom: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje” (Mt 6,11).

– Pedimos para conhecer, para compreender, para saber, e assim entramos numa dimensão mais racional, mas sobretudo espiritual do nosso ser. Afinal de contas, a pessoa procura um significado e um sentido para a sua existência. A sábia questão, de que está imbuído o Antigo Testamento e que Jesus revela no escândalo da Cruz, brota de um coração capaz de se maravilhar, de um coração curioso pelo facto de ser ainda uma criança, habituada a maravilhar-se, nunca tomada pela presunção. A ciência é uma expressão fascinante de tudo isto, mas dentro das coisas há um mistério insondável perante o qual até a ciência se ajoelha em adoração.

– Pedimos para partilhar, porque temos vontade de pôr em comum. Apelamos à vontade do outro de fazer o mesmo, e abordamo-nos mutuamente a partir da nossa própria fraqueza. Manifesta-se confiança e dá-se uma oportunidade: é comovente reconhecer até que ponto a partilha do que há de mais profundo em nós nunca tem o carácter agressivo de um imperativo, mas percorre os caminhos delicados da proposta e da oferta. No final, ao darmos de nós mesmos, pedimos para ser acolhidos. Totalmente.

Neste caminho das perguntas e dos pedidos, Jesus é um companheiro de caminho, inteligente e corajoso. No Evangelho, o Senhor, Filho de Deus e Filho do homem, questiona em vez de dar soluções, questiona em vez de responder, numa autêntica condição de disponibilidade e de procura. Não é próprio de Deus e, portanto, nem sequer do homem possuir (coisas, conhecimentos, resoluções) para dominar. Pelo contrário, deixar espaço é que alarga os horizontes da possibilidade. Com certeza, sobe-se alguns degraus quando há respostas que confirmam, consolam, tranquilizam: o discernimento da verdade tem sempre como critério básico a experiência da verdadeira alegria, que abrange toda a esfera da existência humana. Por outras palavras, se pudermos confiar em alguma resposta, será naquela que for capaz de abraçar todos os detalhes da experiência, sem rejeitar ou mascarar alguns deles com negações cómodas e deformações rígidas. A luz da Cruz refulge luminosa sobre todas as questões e pedidos para guiar o caminho da procura: porque no fundo de cada questão e de cada pedido está a experiência íntima – que assusta e causa dor – de um dia ter de pôr um fim à procura, pelo facto de se morrer.

Se, portanto, até agora ainda não pedimos nada ao Pai em nome de Jesus (cf. Jo 16,24a), é provavelmente porque ainda não tivemos a coragem confiante de Lhe perguntar por que temos de morrer. A resposta não é óbvia. Mas a promessa – muito pessoal e íntima – é que o próprio Pai responderá abraçando-nos, como filhos amados, mesmo na cruz.

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Testimoni 4 (2021) 30-33

Testimoni é uma revista mensal, publicada pelo Centro Editoriale Dehoniano, com sede em Bolonha, Itália. A sua tiragem actual anda à volta dos 4.000 exemplares. Está também online.

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