Recentemente P. Mário Marcelo, scj foi eleito presidente da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM). Nesta entrevista vamos conhecer um pouco mais sobre o trabalho e reflexões de nosso confrade.
O Dr. P. Mário Marcelo Coelho, scj, é bastante requisitado em diversas partes da Igreja do Brasil, para palestras e cursos na área da Teologia Moral. Há mais 20 anos leciona na Faculdade Dehoniana, onde é coordenador do curso de Teologia. É membro do Grupo Interdisciplinar de Peritos (GIP) da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Recentemente foi eleito presidente da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM), instituição à qual já se dedicava há muitos anos. Nesta entrevista vamos conhecer um pouco mais sobre o trabalho e reflexões de nosso confrade.
P. Mário Marcelo, recebemos a notícia de sua eleição como Presidente da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM). O senhor poderia explicar, em linhas gerais, qual é o trabalho da SBTM?
A Sociedade Brasileira de Teologia Moral foi fundada em 1977 por um grupo de professores, teólogos da moral, que trabalhavam em seminários e faculdades católicos lecionando teologia moral. A SBTM tem como objetivos principais: proporcionar um clima de reflexão e encontro entre os teólogos moralistas do Brasil; oferecer subsídios para o estudo da Teologia Moral; estimular a produção de trabalhos científicos na área de Teologia Moral; proporcionar o diálogo entre os estudiosos da Teologia Moral e outros cientistas. Desde então, os teólogos moralistas católicos brasileiros se reúnem num congresso anual para refletir sobre os desafios éticos que vivem a sociedade e a Igreja a partir da perspectiva teológica.
Quais são os são principais desafios e projetos, aos quais o senhor e a equipe da SBTM que o acompanha nesta gestão, pretendem se dedicar?
Em novembro de 2021 tivemos a Assembleia anual da SBTM e refletimos sobre os desafios para a Teologia Moral, sobretudo no contexto “pós-pandemia” …. se podemos dizer “pós”. Sentimos a necessidade de construir pontes e disposição para cruzá-las, tendo em vista o diálogo com as diversas culturas, etnias, religiões, ciências, com a sociedade e com o outro, superando barreiras e preconceitos. Concluímos que a ética teológica deve assumir este desafio de cruzar pontes para além das fronteiras que nos separam de outras disciplinas, ciências, perspectivas, métodos, ideologias, instituições, países, culturas e assim por diante. Como resultado, foi escolhido para o Congresso de 2022 o tema: “Cruzar fronteiras: uma urgência para a ética teológica hoje”.
O teólogo Roche ressalta que agora é hora de cruzar pontes: “Cruzar pontes exige coragem para entrar em um espaço liminar e esperar que você seja bem-vindo do outro lado”. […] “Pessoas de boa vontade podem discordar sobre alguns detalhes e, portanto, todos precisamos cruzar algumas pontes. Eu cruzo pontes para aprender com outras pessoas sobre suas experiências. Eu cruzo pontes para acessar recursos. Eu discerni quais pontes cruzar para que a dignidade e a beleza das pessoas marginalizadas sejam sinceramente elevadas e honradas”.[1]
Sabemos que a teologia moral está na linha de frente, numa contínua intercessão entre o pensamento da Igreja e a sociedade atual. Como religiosos, estamos preparados para enfrentar os problemas que se nos apresentam?
Num primeiro momento eu poderia pensar que sim, estamos preparados para enfrentar os problemas atuais. Temos boa formação. Cursamos filosofia, teologia, além da formação que recebemos nos seminários e conventos. Os cursos de filosofia e teologia nos ajudam a refletir, discernir, analisar, posso dizer que somos privilegiados. No entanto, quando nos deparamos com a realidade percebo que não é bem assim. Se no passado o conhecimento estava “dentro dos muros dos seminários e conventos”, hoje está “fora dos muros”. A história de que religiosos-padres, eram os detentores do conhecimento já não existe mais. As pessoas que detêm maiores conhecimentos estão nos cursos superiores: estudam, refletem, e nos questionam sobre as “verdades” que anunciamos. Querem compreender a fé de modo inteligente.
A sociedade evolui, o tempo avança, transformações rápidas acontecem e as exigências também mudam. Temos uma nova realidade da Igreja no mundo e estamos vivendo transformações científicas, sociais, políticas e eclesiais cada vez mais rápidas. Estamos na era da evolução das biotecnologias, da informação, da comunicação e da internet. O mundo está quase virtual. O conhecimento está às nossas vistas. Essa nova realidade que está à nossa frente e nos interpela, também envolve o indivíduo que se apresenta como candidato à vida religiosa ou ao presbiterado. Temos questionamentos, problemas novos que exigem respostas novas, desafiando, não só a fé, mas, também a própria razão. É dentro desse contexto que a teologia e a filosofia devem dialogar com todas as correntes de pensamento e com as diversas ciências.
A formação intelectual deve dotar todos os religiosos e clérigos, de uma cultura geral adequada à situação de cada contexto cultural, geográfico, histórico. Para uma evangelização e inculturação eficaz da fé no mundo de hoje é indispensável uma sólida preparação filosófica, teológica e cultural. O formando tome consciência da necessidade de adquirir instrumentos conceituais apropriados para responder a quem quer que o interrogue sobre as razões da sua esperança.
Uma última pergunta. Em que medida a teologia moral pode contribuir na formação religiosa/sacerdotal atual, diante dos desafios de uma sociedade diversa, plural e exigente?
A formação dos futuros religiosos/presbíteros carece de sólida formação geral. Para se tornar líder de uma comunidade exige-se não apenas boa vontade e dedicação, mas também competência, profundidade e dedicação. No mundo em que predomina a cultura do superficial, da violência, da morte, nessa “sociedade líquida”, é preciso anunciar vida, esperança, paz e condições de discernimento. Padre Dehon diz que: “Educar um cristão não é apenas dar-lhe noções de ciências humanas que o ajudem a obter um estatuto social. Antes de tudo isso é necessário criar nele um caráter nobre e excelente, costumes puros, virtudes fortes. É formar nele a fé que abre o entendimento para o mundo invisível, a esperança que fortalece o coração com a perspectiva de uma felicidade merecida e o amor que torna Deus perceptível através das densas nuvens da vida”.[2]
A partir da inspiração anterior, acredito que a nossa contribuição está em formar pastores aprofundados nos estudos acadêmicos, capazes de fazer uma leitura crítica dos sinais dos tempos e dialogar com a sociedade, tornando-se luz. A filosofia e a teologia não podem tornar-se meros estudos privados da fé e da religião; não podemos transformá-las na “subjetivação da religião ou da fé”, no relativismo religioso, uma adesão subjetiva somente ao que me agrada ou convém, ou mesmo como “dar ao povo o que o povo quer”, mas, dentro do conjunto globalizado, em diálogo com as ciências, dar uma resposta à luz da razão e da fé aos desafios sociais, ecológicos e existenciais, dos nossos tempos.
[1] ROCHE, Mary M. Doyle. Bridges Built and Burned in Ethical Discourse. The First (boletim mensal da Catholic Theological Ethics in the World Church – CTWEC). Publicado em 01 novembro de 2021.
[2] DEHON, L. Oeuvres Sociales. IV, p.278. – Escritos do Padre Leão Dehon.