No dia 30 de abril de 2021, foi beatificado o médico venezuelano G. Hernández. Sua vida foi e continua a ser importante para os venezuelanos de ontem e de hoje. Mas não só.
Nos últimos dias, chamou minha atenção ver como, em várias partes do mundo, a beatificação do Dr. José Gregorio Hernández foi uma notícia importante. Recebi alguns telefonemas do exterior e o que me perguntavam, acima de tudo, era por que todos os venezuelanos estavam tão contentes com sua beatificação.
Não pretendo deter-me sobre uma biografia, pois esta informação pode ser encontrada em vários lugares na internet. Em vez disso, quero destacar que sua vida foi e continua sendo importante para os venezuelanos de ontem e de hoje.
Medicina e proximidade
Em 1893, Francisco Salas Pérez publicou uma entrevista com José Gregorio, na revista cultural El Cojo Ilustrado, na qual descreveu nosso Beato como um importante e ilustre caribenho: “Ele sabe tudo o que um homem que passou seus 26 anos aprendendo, pode saber; mas, também, conhece uma ciência que não pode ser aprendida em nenhuma escola. Ele sabe como fazer-se amado. Como médico, ele se tornará uma celebridade, sua fama já está consolidada: é apenas questão de tempo para que ela se confirme”.
José Gregorio não era apenas um médico; ele era um amigo, alguém próximo e preocupado com a vida e a saúde das pessoas que visitava. Além de seu trabalho no hospital, ele tinha sua própria clínica particular, onde também cuidava dos pobres, com a mesma atenção que tinha por aqueles que podiam lhe pagar. Sua religiosidade e seu caráter andino combinavam bem com a elegância do caraquenho do final do século XIX e início do século XX e a visão do mundo de quem havia estudado em Paris, Berlim e Madri.
Seu sucesso no mundo da medicina não o privou de sua proximidade com todos. As pessoas o conheciam como um homem bom, acessível, humilde e muito sábio. Deixou-se amar e, por isso, no dia de seu enterro as ruas de Caracas estavam cheias para ver o cortejo fúnebre passar.
Uma ocasião para a Igreja venezuelana
A beatificação de José Gregorio é de grande importância para a Igreja venezuelana, não porque haja uma pessoa a mais nos altares, mas porque com ela beatifica-se a forma popular de entender e viver a fé típica dos venezuelanos.
Para o venezuelano, um homem de fé não é aquele que se caracteriza por suas muitas devoções e práticas religiosas, mas por sua bondade e proximidade. De fato, as devoções na Venezuela são um lugar de encontro e celebração e não rituais formais e estudados. Só para citar algumas dessas devoções, devemos mencionar a Cruz de Maio, em que se recitam e cantam “fulías” (estilo musical típico da costa venezuelana); Corpus Christi, com os tradicionais “demônios” dançando diante do Santíssimo Sacramento; e São João Batista, com tambores e danças, ao redor da imagem do santo. Não há devoção popular sem relacionamento e não há relacionamento sem celebração.
Este estilo de vida, no qual as relações são o eixo em torno do qual se articula a existência, está inscrito no DNA dos venezuelanos. Ninguém conseguiu viver tanto este ideal relacional quanto o Dr. José Gregorio Hernández. Na verdade, a maneira de José Gregorio se relacionar com os outros deixou uma marca tão profunda na vida e na memória dos venezuelanos que sua vida se tornou um ideal a ser alcançado. Compreende-se, portanto, como não é por acaso que este novo beato é amado não só pelos católicos, mas também pelos venezuelanos pertencentes a outras denominações religiosas e até mesmo pelos ateus.
O respeito que o mundo acadêmico tem por este famoso beato não se deve apenas ao apreço por sua contribuição à ciência, mas à sua bondade. Luis Razzeti, distinto médico venezuelano, ateu por convicção, crítico intelectual da fé e adversário acadêmico de José Gregorio, surpreendeu muitos venezuelanos quando, após a morte do beato, reconheceu José Gregorio como um autêntico sacerdote da medicina.
Rómulo Gallegos, o mais destacado escritor da história da Venezuela e que também foi presidente da nação, por sua vez, disse consternado: “Abençoada seja a morte deste homem que nos fez viver horas intensas de elevação espiritual (…). Lágrimas de amor e gratidão, o tremor angustiado dos corações partidos pelo golpe absurdo e brutal que despedaçou uma preciosa existência, a dor, o espanto, tudo isso compôs, ao redor do corpo do Dr. Hernández a mais bela homenagem que um povo pode prestar a seus grandes homens (…). Não foi um homem morto que levaram para o enterro; foi um ideal humano que passou em triunfo, eletrizando nossos corações. Pode-se ter certeza de que, ao seguir o féretro do Dr. José Gregorio Hernández, todos nós experimentamos o desejo de sermos bons”.
O desafio de uma beatificação
A beatificação coloca alguns desafios para a instituição eclesial venezuelana. A figura de José Gregorio reúne venezuelanos de diferentes tendências políticas, o que constitui uma grande oportunidade para construir pontes e estabelecer diálogos até agora negados pela teimosia dos atores políticos.
Outra frente aberta com a beatificação é a da evangelização.
Não há dúvida de que o venezuelano é um cristão com seu estilo próprio, e isto explica porque ele nunca se deixou controlar pelas instituições eclesiais. É hora de aderir a uma Igreja que reconheça e compreenda a fé popular dos venezuelanos comuns. O cristianismo na Venezuela é mais popular do que institucional.
Se os pastores da Igreja conseguirem captar a riqueza da fé contida na vida cotidiana dos venezuelanos, hão de se gerar novas formas litúrgicas onde as pessoas se vejam reconhecidas e se sintam celebradas; propostas éticas mais centradas na bondade do que no pecado e relações fraternas baseadas na bondade e na solidariedade.
O desafio para a Igreja institucional é grande. Deve-se dizer que aqueles que realmente nunca esqueceram ou abandonaram a causa de José Gregorio foram os fiéis do povo. A instituição eclesiástica, pelo contrário, não se comprometeu, ao longo do tempo.
Devemos reconhecer que, desde o início do processo de beatificação, houve momentos em que a causa foi esquecida e abandonada. As pessoas dos acampamentos e dos bairros operários nunca o fizeram.
Por isso ele é o santo do povo venezuelano, o povo que desde o momento de sua morte o canonizou, colocando-o em altares improvisados nas casas de nossos bairros operários, pintando-o nos muros da cidade e colocando sua imagem sobre os leitos dos hospitais para proteger e cuidar dos doentes do lugar.
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