Mensagem final da IX Conferência Geral à Congregação SCJ e à Família Dehoniana.
“O reino do Coração de Jesus na sociedade é o reino da justiça e da caridade, da misericórdia, da compaixão para com os pequenos, os humildes e os que sofrem. Peço que vos dediqueis a todas estas obras, que as encorajeis e apoieis. Favorecei todas as instituições que devem contribuir para o reino da justiça social e impedir a opressão dos fracos pelos poderosos”. (P. Dehon, RSC 610)
Caros confrades, membros da Família Dehoniana e amigos que partilhais connosco a vida e as obras.
De 13 a 18 de fevereiro de 2022, reunimo-nos em Roma para a Conferência Geral que teve por tema: “Os Dehonianos no empenho social: o impacto do amor de Deus na nossa sociedade”.
Pudemos escutar, refletir e partilhar pensamentos e esperanças. Mais uma vez nos foi dada a oportunidade de experimentar a beleza de estar juntos na riqueza da variedade das culturas de onde provimos e na unidade do carisma que partilhamos.
Queremos agora partilhar convosco as reflexões e as linhas de ação que emergiram durante estes dias, conscientes de que a riqueza da vida dos dehonianos, já empenhados em numerosas atividades no campo social, não podem ser descritas em poucas linhas.
Na senda do padre Dehon …
- “O trabalho deve continuar” (P. Dehon, LCC 8090139/48). Foi assim que a IX Conferência Geral quis assumir o testemunho deixado por Padre Dehon para continuarmos o trabalho começado por ele, as suas iniciativas e sensibilidade no âmbito do empenho social. Retomámos e elaborámos em duas direções os três objetivos da Conferência (IL pág.3):
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- Uma inspiradora: mostrar a todos a bem-aventurança que nasce da relação com o Filho do homem, que vive e revela o que é verdadeiramente humano (cfr. Lc 6,20-23) e não se deixa seduzir pelo inumano, mas está repleto de um amor ardente pela vida e apaixonado pela dignidade humana.
- Uma prática: reconhecer e reestruturar com Jesus e ao estilo de Jesus, segundo o carisma que herdámos do Padre Dehon, a nossa presença na planície (dos homens e mulheres de hoje), depois de termos estado no alto do monte (da contemplação e da experiência fundante).
- Durante as sessões em assembleia, por meio de apresentações, vídeos e partilhas, tivemos a confirmação de que a espiritualidade do Coração de Jesus, tal como foi vivida pelo Padre Dehon, se revela comprometida no serviço eclesial e social. O Padre Dehon, por meio de leituras e análises qualificadas, tinha-se preparado e havia desenvolvido uma sensibilidade viva, com capacidade de abertura para interpretar de modo evangélico a situação de seu tempo. Isso nem sempre passou para a história e para a experiência da Congregação. Houve resistências e interpretações negativas. Apesar delas, muitos confrades seguiram a intuição carismática do Padre Dehon e empenharam-se em presenças no campo social: a todos eles o nosso tributo, de modo particular aos muitos que, ainda hoje, partilham a alegria do serviço aos últimos.
- O confronto com a Palavra de Deus leva-nos a reforçar a identidade do humano que vem do Criador para um mundo, que põe em causa essa identidade com opções e ideologias que parecem destruir o tecido humano. Sendo assim, as nossas opções encontram fundamento no amor que nos faz alcançar a estatura de Cristo, e na reparação segundo as nossas Constituições (Cst. 23), forças que nos transformam para transformar e reparam para reparar. Assim, a adoração eucarística torna-se espaço para nos colocarmos diante do Senhor, que nos inspira na ação, fazendo desse tempo o ponto alto da eficácia a que podemos aspirar.
- Relendo a Doutrina social da Igreja, tomamos consciência de que o empenho social está radicado no exemplo do próprio Jesus de Nazaré, que passou o seu ministério a fazer o bem e a curar as doenças de todos. A seu exemplo, a solicitude para com os pobres foi uma constante na prática da Igreja desde as suas origens. Os Padres da Igreja não se cansam de evidenciar a necessidade e a prioridade da atenção aos pobres. No centro da nossa atenção está, portanto, a pessoa humana, com que Deus se preocupou e cuja humanidade assumiu. A humanidade concreta tem os rostos e as feridas das pessoas que encontramos no caminho.
- Nos últimos anos, o magistério pontifício alargou o horizonte na perspetiva do desenvolvimento integral da pessoa. Esta atenção não é nova para nós, porque o Padre Dehon sempre propôs um trabalho em todas as dimensões constitutivas da pessoa: social, económica, pessoal, relacional, transcendente e religiosa. Assim o fazem Laudato Si’ e Fratelli Tutti do Papa Francisco, que se ocupam do desenvolvimento integral da pessoa humana, da dimensão ecológica, do cuidado da casa comum. A nova antropologia ética que emerge destes documentos do Papa Francisco faz-nos compreender que as feridas e as fragilidades são parte integrante da pessoa.
- A esta luz, evidenciamos como a nossa preocupação e “ação social” não se limita a ações específicas e limitadas, mas inclui toda a riqueza das nossas relações com os outros, com o mundo e com Deus. Assim, reafirmamos que, no centro das nossas atenções, está a vontade de promover o desenvolvimento integral da pessoa e da comunidade humana na qual vivemos.
- As nossas atitudes são chamadas a distinguir-se por um acolhimento caloroso, sem preconceitos, por uma escuta atenta, por uma dedicação cordial ao outro, por um esforço vivo para reconstruir as relações humanas interrompidas ou quebradas, as personalidades destruídas por dependências ou por passados fracassados. E assim nos colocamos ao lado das pessoas fazendo reflorir a sua capacidade de viver a vida em liberdade e com dignidade, sem se tornarem escravos de preconceitos ou de condenações.
- O conhecimento de algumas obras sociais dehonianas permitiram-nos fazer emergir os valores que as suportam, tais como: o acolhimento, o amor que repara e recria, oferecer espiritualidade, amor oblativo, cuidar, não só fazer o bem, mas fazê-lo COM amor. De facto, à pergunta “como ser profetas do amor e servidores da reconciliação hoje?”, respondemos: “unindo-nos e fazendo não só PARA os outros, mas COM os outros, integrando os destinatários num círculo virtuoso que os promova a protagonistas da mudança. Porque amar é a nossa missão … e a fonte da nossa alegria”. Também nos permitiu entender como a nossa atenção e ação têm capacidade para suscitar caminhos de renascimento, reativar a realidade sobre a qual agimos e suscitar um futuro de relação e transformação. O nosso viver e transmitir o amor que recebemos de Deus fundamenta a nossa ação e possibilita a todos sentir-se amados, no respeito pelas peculiaridades e diferenças culturais.
- Neste percurso, evidencia-se o esforço para criar sinergias entre a Congregação e outras realidades: congregações religiosas, movimentos laicais, igrejas, outras associações, criando uma colaboração fraterna em projetos de reparação regeneradora e integral. Isto abre-nos à possibilidade de sermos nós mesmos, não só promotores, mas também colaboradores de projetos nascidos noutros âmbitos, levando-lhes o nosso carisma e sensibilidade dehoniana.
- Este caminho exige que assumamos o estilo do “Servo fiel”: o Filho é servo fiel do Pai (Heb 3-4) e, por isso, digno de confiança. Somos chamados a ser fiéis ao Evangelho e à herança do Padre Dehon. De facto, também o Coração de Cristo é traspassado, fragilizado, ferido. Dele brota também a ética da amizade social, a do servo fiel e prudente que se torna amigo, recusando tornar-se ídolo de si mesmo. Aí lemos a fonte do amor/caridade: Ele amou-nos até à morte e morte de cruz. Assim redescobrimos o movimento das palavras-chave da nossa experiência espiritual: reparação, salvação, perdão, ressurreição. Poderemos, então, olhar para o outro como irmão, mesmo quando apresenta limites e erros, feridas e derrotas. Só assim seremos dignos da confiança posta em nós, porque o seu Caminho é o nosso caminho (cfr. Cst. 12).
- Redescobrimos, assim, a beleza de viver a reparação como fonte de alegria pela experiência da salvação recebida e, depois, oferecida aos outros. Assim são a vida e os gestos de Jesus, que oferece uma nova perspetiva, novas potencialidades, um novo início.
Por isso:
- sentimos que não somos simplesmente “agentes sociais”, mas que no serviço social, prestado para levar por diante caminhos de mudança, com espírito evangélico e ao estilo do Fundador, manifestamos plenamente o nosso ser dehonianos;
- vivemos a reparação no empenho social fundamentando-a numa antropologia dialógica que não esquece as feridas que nos constituem, mas propõe um caminho de regeneração relacional que ativa as imensas possibilidades da pessoa. O estilo a assumir é o de Jesus, que se relacionava com todos sem jamais condenar alguém;
- compreendemos que a atenção social não é simplesmente fazer, mas um modo de fazer, porque é como um “mapa mental e afetivo”, que nasce da contemplação do Coração traspassado;
- reafirmamos, na senda do Padre Dehon, que o nosso empenho social promoverá o desenvolvimento integral humano, tendo como critério a dignidade da pessoa.
… algumas propostas e orientações
- Chegar a uma síntese vital, entre a dimensão espiritual e o empenho social na nossa vocação de religiosos dehonianos, descobrindo as inadequadas leituras ‘clericais’ do nosso carisma. É urgente adquirir a capacidade de fazer uma síntese entre doutrina-espiritualidade-ação.
- Será importante conseguir criar um network para estimular e facilitar a colaboração na Congregação a todos os níveis, antes de mais, porque nós continuamos sem saber o que se faz nas diferentes Entidades e, depois, tecer redes de colaboração com pessoas que sejam sensíveis a um projeto de promoção do humano, e não tanto das obras/estruturas, iniciando processos de conversão à colaboração com os leigos, no respeito pelo seu espaço de testemunho e ação. Emerge a necessidade de nos abrirmos à colaboração com outras forças (eclesiais e não eclesiais) que operam no campo da justiça social, da fraternidade e da paz, do serviço aos pobres, da ecologia integral.
- Reconhecendo que, muitas vezes, as dificuldades surgem ao nível da colaboração entre nós, confrades, emerge a necessidade de fazer crescer a dimensão comunitária no empenho social, evitando individualismos e protagonismos pessoais. O caminho é o de confiar às comunidades, em comunhão com o projeto da Entidade e da Congregação, o discernimento dos projetos de empenho social para que lhes acompanhe o começo, os purifique desde a origem e os assuma como próprios, apoiando as pessoas capazes para o desenvolvimento dos mesmos. Tal processo exige que se coloque a fraternidade no centro, educando o nosso coração para a contemplação do Coração traspassado, adquirindo os sentimentos de Cristo.
- Evidencia-se a necessidade de estudar e aprofundar o conhecimento da figura de Padre Dehon, sabendo bem que não se pode copiar o seu modo concreto de agir, mas detendo-nos na atitude de abertura, aprofundamento, sensibilidade aos problemas da sociedade. Somos assim chamados a abrir espaços em cada um, desde a formação, para favorecer uma criatividade semelhante à do Padre Dehon, que deu respostas às realidades concretas do seu tempo, que assumiu os riscos do seu empenhamento sem esperar por receitas preconcebidas.
- Como Dehonianos, somos chamados a identificar as pobrezas/carências do nosso tecido social, onde nos encontramos a operar e, portanto, a ver os rostos concretos dos pobres, que precisam não só de respostas assistenciais, mas também de propostas para fazermos caminho com eles, rumo a um futuro digno e mais estável. Por isso, convidamo-vos a criar círculos de conhecimento, reflexão e aplicação do pensamento social da Igreja, construindo uma metodologia dehoniana do social, que recupere todos os valores da nossa espiritualidade e a riqueza do nosso carisma, que nos permitam interpretar adequadamente, talvez até com antecedência, o tecido social daquela que é a nossa casa comum. É urgente preparar-nos para termos os instrumentos necessários para ler, interpretar e responder aos sinais dos tempos, evitando modelos culturais inadequados e fora do contexto. Há distâncias culturais que merecem atenção.
- Um instrumento útil é a presença rigorosa, séria e de qualidade nos meios de comunicação social (social-media), para serem promotores de uma nova sensibilidade que impulsione a mudança social, facilite a ligação no seio da Congregação, e nos ajude a colaborar numa missão comum.
- Para poder compreender e interiorizar a nova antropologia da Fratelli Tutti e da Laudato Si’, e manter vivo o estilo de Jesus, sentimos como necessária a formação permanente, para nos conduzir a todos à “conversão apostólica” e para favorecer o crescimento das potencialidades de cada pessoa a todos os níveis. E isto, sobretudo, para nos unirmos numa espiritualidade que nos forme interiormente. As formações específicas servem se forem interiorizadas na pessoa, em harmonia com os outros aspetos.
- Enquanto encorajamos o apostolado dos Dehonianos que se empenham no campo social, percebemos a importância da formação inicial das novas gerações. Vemos a urgência de repensar os nossos ambientes de formação, para que os nossos formandos, geralmente sensíveis aos temas sociais, possam viver este ideal de reparação regeneradora num mundo em mudança. É preciso favorecer e estimular nas comunidades de formação experiências de empenho social acompanhadas e avaliadas em âmbito formativo.
- Nesta dinâmica, julgamos oportuno dar nova vida às antigas Comissões de Justiça e Paz, atualizando-as na linha do desenvolvimento humano integral, que inclui também os temas da ecologia integral anunciada na Laudato Si’, utilizando os instrumentos da Plataforma Laudato Si’ (https://plataformadeacaolaudatosi.org/), enriquecendo-nos de novas sensibilidades, que nos façam tocar na realidade das situações em que nos encontramos, tecendo ligações com o nosso carisma e iniciando boas práticas de atenção ecológica.
Conclusão
Nestes dias de partilha fraterna, vimos e ouvimos como nós, Dehonianos, desejamos responder aos desafios que nos coloca o ambiente em que vivemos. As respostas são muito diferentes, conforme as situações em que as Entidades e comunidades estão inseridas. Mas o que inspira e une todas estas iniciativas é uma mesma preocupação: restituir dignidade às pessoas e às comunidades feridas, numa sociedade que as ignora e descarta.
Queremos, deste modo, no esforço e serviço, ao estilo do Padre Dehon e para o bem das pessoas e das comunidades, viver a continuação da obra de Cristo, que nos chamou a assumir a sua missão de amor e reparação como servos e amigos, colaborando com Ele para que todos “tenham vida em abundância” (Jo 10,10).
Roma, 18 de fevereiro de 2022
Os participantes da IX Conferência Geral
🇧🇷 Mensagem final da IX Conferência Geral
🇩🇪 Schlussbotschaft der IX. Generalkonferenz