Missão e Igreja, Dinheiro e Nação. Re-interpretar a figura do Padre Dehon
Com o seu doutoramento, Neuhold apresentou um quadro inovador, metodologicamente inovador e cientificamente objectivo da vida e da obra de uma das figuras centrais do catolicismo francês do final do século XIX e início do século XX, que pode ler-se de modo estimulante.
Neuhold, David: Mission und Kirche, Geld und Nation. Vier Perspektiven auf Léon G. Dehon, Gründer der Herz-Jesu-Priester. – Stuttgart: Kohlhammer 2019. 454 pp. (Studien zur christlichen Religions – und Kulturgeschichte, 25).
A vida e a obra de Leão Gustavo Dehon (1843-1925), fundador dos Sacerdotes do Coração de Jesus (SCJ), tem sido objecto de uma história mutante, em parte contraditória, de recepção, que tem a sua razão de ser, não apenas na simbiose entre mística, nação e política que veio à luz na sua pessoa. As abordagens biográficas adoptadas até agora, na sua maioria provenientes da sua própria comunidade, mostram um tão amplo espectro de interpretações, que geralmente têm suscitado mais perguntas do que respostas. Portanto, é meritório que a tese de doutoramento de David Neuhold, apresentada na Universidade de Freiburg, em 2018, e que agora está a ser impressa, abra novas e múltiplas abordagens a este complexo tema de investigação. Deu, portanto, um contributo para o contorno científico e biográfico de Dehon que dificilmente pode ser sobrestimado. Como o próprio autor enfatiza por diversas vezes, não se trata de forma alguma de uma apresentação “final” ou “completa”, mas antes de uma tentativa em abordar o tema em “quatro círculos ou elipses” que definem os espaços da questão (21), a saber: 1) no seio da Congregação de Dehon, 2) no seio institucional da Igreja Católica, 3) no meio económico e religioso e, por fim, 4) no campo das tensões entre religião, nação e política (ibid.). Nesse sentido, a apresentação e a explicação de sua abordagem em várias perspectivas – que metaforicamente ele intitulou de “olhar e contacto” (17-68) – é de grande importância para a compreensão do que se segue, que redime as premissas aqui estabelecidas em detalhe. Interessantes, porque vão mais além do tema e, sem dúvida, são indispensáveis para ele, são também as classificações da pessoa e da obra de Dehon no “mundo do pensamento” católico, especialmente no mundo francófono, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, que nem sempre é familiar a muitos leitores. Constituem o pano de fundo do ainda incipiente ponto focal da investigação, cujo “fio condutor” é a tensão entre os sucessos inegáveis, as áreas de fricção e as derrotas.
No primeiro capítulo (69-125), Neuhold apresenta o lugar de Dehon na sua Congregação, bem como a sua “genuína” missão na Tunísia, que se converteu no fracasso pessoal do Superior Geral e lhe trouxe numerosas censuras. No entanto, na recepção dos acontecimentos da Tunísia, Neuhold não chega a uma interpretação independente, mas apenas se refere e examina entre si os juízos dos biógrafos anteriores. O segundo capítulo (127-219) faz uma tentativa de classificação em relação à transcendental decisão do Santo Ofício de suprimir o instituto de Dehon, em 1883, tendo por base a crítica disciplinar fundamental, teológica e eclesiástica (129). Para isso, Neuhold não apenas analisa os detalhes individuais desse processo, mas também mostra as estruturas básicas da gestão de conflitos de Dehon e os sintomas que o acompanham. Deste modo, o autor consegue interpretar adequadamente o “ano terrível” de 1883 e apresentar novos pontos de vista sobre ele. O dinheiro e o seu uso é o tema que Neuhold aborda no terceiro capítulo (221-309) sob o título “Religio et oeconomia”. Ocupa-se da “acção e do pensamento económico” de Dehon pessoalmente rico no meio de uma estrutura económica em rápida mudança na França no final do século XIX. Depois de “vaguear” pelas “alturas” através de fontes textuais exemplares selecionadas e da sua qualificação, Neuhold compromete-se em ocupar a “subestrutura”, até agora pouco conhecida, as “terras baixas” da situação económica concreta, quotidiana e fundamentada da fundação de Dehon. Nesta secção, fica claro que para Dehon os pólos “economia” e “religião” não eram opostos, mas formavam uma unidade que ele interpretava, processava e mantinha unida como um actor de pensamento integral do catolicismo e da democracia cristã de inspiração no espaço religioso (299). Aqui Neuhold obtém um resultado que nunca tinha sido formulado tão claramente na literatura e que revela novas perspectivas para além do tema. “Pátria e nação” no contexto da religião e no sentido imperial francês da missão, são os conceitos-chave aos quais dedica a investigação do quarto capítulo (311-390). Também aqui o estudo do simbolismo nacional francês, especialmente a bandeira tricolor, é de importância central. As discussões e declarações de Dehon sobre este tema podem parecer um tanto estranhas aos leitores de hoje, mas completam e acentuam o quadro biográfico do homem cujo processo de beatificação foi suspenso em junho de 2005 devido às declarações anti-semitas nos seus escritos. Infelizmente Neuhold só aborda este aspecto num curto sub-capítulo (capítulo IV, 5.9, 378-384), e isso como “uma faceta” do[s] “discurso[s] nacional[ais]” da época. Na conclusão, o livro oferece no final, com “linhas de conclusão” [sic!] (391-471), a tentativa de uma sinopse “completa”, certamente mais no sentido de uma questão em aberto do que um juízo final. Neste sentido, a premissa original de Neuhold não se contradiz. Um índice de figuras (418) e de ilustrações (419), uma “linha do tempo” um pouco escassa (420), uma lista meticulosamente abrangente de fontes e de literatura (421-443), bem como um útil registo de pessoas e de lugares (444-453) e um registo dispensável de passagens bíblicas (454) completam, por fim, a investigação.
Com o seu doutoramento, Neuhold apresentou um quadro inovador, metodologicamente inovador e cientificamente objetivo da vida e da obra de uma das figuras centrais do catolicismo francês do final do século XIX e do início do século XX, que pode ler-se de modo estimulante. O autor sabe tornar transparentes a complexidade e as contradições de Dehon e, desse modo, criar um documento humano que faz grande justiça ao tema. As figuras e gráficos são expressivos, embora nem sempre de boa qualidade de impressão. Podemos lamentar-nos da falta de um exame mais aprofundado ao anti-semitismo de Dehon; portanto, ficará reservado para outra nova investigação científica. Em suma, o livro de Neuhold é uma obra de alto nível teológico, cuja análise e avaliação das fontes pode ser classificada como exemplar e, portanto, é muito recomendável
Theologische Revue 116 (2020)