A Festa do Batismo do Senhor constitui uma espécie de ponte entre o ciclo natalino e o tempo comum, ajuda-nos a fazer uma retrospectiva do que foi vivido e celebrado na Liturgia do ciclo natalino e epifânico, mas também nos coloca na expectativa de todo o ano litúrgico cujo objetivo é apresentar a revelação, para o conhecimento e adesão à pessoa de Jesus. O Batismo do Senhor, no esquema original da pregação (kerigma) dos Apóstolos, é o ponto de partida: “Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo pregado por João” (2ª Leitura). Por isso, é apresentado como o início de sua vida pública, de sua missão como ungido (Cristo) de Deus e Salvador da humanidade. Cada evangelista, de acordo com a sua respectiva intenção teológica, sublinha aspectos diferentes deste acontecimento, o que não significa que incorram em contradição. Cada um destaca aspectos importantes e complementares: Mateus, reportando o diálogo entre Jesus e o Batista, sublinha que o Cristo é aquele que cumpre toda a justiça: “Deixa estar por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a justiça. E João consentiu” (Mt 3,15). Na narração de Lucas, coerentemente com outros momentos no seu evangelho, vemos o Jesus orante: “Jesus foi batizado, Ele achava-se em oração”. Jesus é o Filho orante, pois essa é a experiência que mais revela e fortalece a sua comunhão com o Pai.
Marcos, texto usado no hodierno ano litúrgico, de forma sucinta e direta, mostra que com Jesus a obra de Deus é recriada; reabre-se o paraíso e toda criação é reconciliada: “Vivia entre as feras e os anjos o serviam” (Mc 1,13). Contudo, mesmo sendo a narração mais curta, nela aparecem os elementos fundamentais e comuns a todas as outras narrações evangélicas, isto é, Jesus que entra e sai das águas, os céus que se abrem e a voz do alto que se faz ouvir.
O batismo como rito não é um acontecimento exclusivo relacionado a Jesus. Pois antes de Jesus ser batizado, muitos já tinham sido batizados por João Batista. Daí surge a pergunta sobre o significado e finalidade do batismo de acordo com a realidade de cada batizando. Podemos, assim, falar de uma evolução teológica do significado do batismo de João Batista, do batismo de Jesus e do batismo cristão, cuja origem está no mandato do próprio Senhor (cf. Mc 16,16). João Batista batiza para preparar a chegada do Messias; o povo que vem se batizar é chamado a entrar na dinâmica do arrependimento a fim de apressar a chegada do enviado de Deus. Uma vez que o Messias chegou, cumpriu-se a justiça como prática do precursor, ele encerra propriamente a sua missão. Porém, deve batizar o Messias cujo batismo não tem mais o significado anterior. Jesus não se batiza para apressar a vinda do Messias, nem muito menos para receber o perdão dos pecados.
O batismo de Jesus é a proclamação pública de que ele é verdadeiramente o anunciado das promessas messiânicas veterotestamentárias, porém, um messias que supera todas as expectativas do seu tempo. Jesus não é apenas um enviado de Deus, um ungido especial, mas ele é o Filho amado do Pai como proclama o evangelho: “Tu és o meu Filho amado… ”
No Batismo de Jesus se anuncia a nova criação apresentada simbolicamente à luz da primeira criação (Gn 1). Como no início de tudo, havia o cenário das águas, agora Jesus irrompe das águas do Jordão. Se no princípio o Espírito de Deus pairava sobre as águas, agora o mesmo Espírito desce sobre Jesus. A primeira criatura chamada à existência foi a luz, agora na nova criação não aparece um ser criado, mas o primogênito que é o Filho amado do Pai. Pois tudo foi criado por ele, e para ele.
Por fim, vale salientar que há também uma distinção fundamental entre o batismo cristão, o batismo de João e o batismo de Jesus. Nenhum desses dois últimos tinha eficácia de tornar o batizado filho de Deus, participantes da nova criação. O rito de João Batista preparava, mas não realizava; o batismo de Jesus não o fez filho eterno do Pai, pois já o era desde sempre. Contudo, o batismo cristão, o mandato de Jesus após a sua ressurreição, mergulha o batizando na realidade da Trindade e faz do batizado um filho amado do Pai.
Celebrar a Festa do Batismo do Senhor, mais do que recordar um acontecimento importante da vida de Jesus como divisor de águas para a sua missão, nos ajuda a tomar consciência de que o nosso batismo também deve ser vivido na sua qualidade de descontinuidade, ou seja, rompimento com o caos (pecado) e compromisso com a vida nova que nos faz participantes da nova criação, iniciada com o batismo do Filho amado do Pai, no qual somos também filhos seus.