Isaías 55, 6-9 nos diz que os caminhos de Deus não são os nossos caminhos. Os caminhos de Deus são sempre acompanhados do “perdão” e da “misericórdia”. Os caminhos de Deus serão sempre uma oferta de salvação. Uma oferta permanente, que nasce do amor que ele tem por nós.
Temos a tendência de apelar para a justiça legalista e a equidade matemática. Talvez possamos dizer que apelamos para o “olho por olho” em quase todas as relações comuns e medimos teimosamente as boas obras dos outros, supervalorizando as nossas próprias.
Deus (Pai) é rico em misericórdia. Lento para a raiva e grande em piedade. A misericórdia nasce de uma opção decidida em absoluta liberdade, para ajudar o necessitado. Ter misericórdia é voltar o coração ao pequeno-pobre-necessitado-pecador. Deus coloca resolutamente seu coração ao lado do nosso. Ele faz de nossa causa sua causa e aposta em nosso sucesso, ao se tornar nosso companheiro de caminhada. É do plano Divino que tenhamos vida e vida em abundância. O profeta nos diz que o Senhor vem ao nosso encontro e nos procura apaixonadamente.
Mateus 20, 1-6 nos conta uma parábola de Jesus, onde se reflete esta atitude misericordiosa do Pai, na tarefa de construir seu Reino. Ouvindo esta parábola, nossos ouvidos chegam até a doer, porque nos parece uma injustiça sem tamanho, sabendo que aquele que trabalha uma hora, ganhe o mesmo que aquele que trabalha doze. Certamente é do interesse de Jesus, provocar-nos e atiçar nossos ouvidos, para que possamos refletir com profundidade sobre os valores do Reino e, talvez, dessa forma, passemos a ter um novo senso do que vem a ser justiça.
A parábola é dirigida aos seguidores de Jesus; àqueles que já fizeram uma escolha para segui-lo. Todos nós queremos ser discípulos de Jesus. O que procuramos em nosso seguimento de Jesus? Um salário, reconhecimento, um título, honras? Ou entendemos nossa missão a partir de um dom que recebemos?
Se ficamos esperando pelo “dia da recompensa”, não ultrapassamos a mentalidade farisaica. Eu ganho o céu por merecimento, cumprindo minuciosamente a Lei. O Reino de Deus é a minha conquista pessoal, ao invés de ser graça de Deus. Se este for o critério, o proprietário do vinhedo só pode ser um bonachão. Dessa maneira, porém, não se pode construir nada. Somente os preguiçosos e os maus tiram vantagem. E perante esses, você precisa mostrar que é forte. Fica a pergunta: como posso eu, que doei toda minha vida pelo Reino, trabalhando arduamente, ser equiparado com alguém que desperdiçou seus bens em banalidades e festas? Poderá ele, no final, receber o mesmo prêmio que eu?
Se buscamos “uma tarefa ou missão” porque encontramos um dom (a pérola preciosa), então a tarefa em si é vivida como um dom e não há medida para a rendição e o trabalho, porque antes, o próprio Deus, sem medida, já entregou-se a mim. Fui encontrado pelo Amor e devolvo o que recebi, porque amo intensamente meu irmão e Deus (ou vice-versa, ou conjuntamente ou simbioticamente). Trabalhar desde à primeira hora será para mim uma honra e uma grande alegria, porque fui encontrado desde o início pelo Amor da minha vida. Vivo na casa do Pai, sabendo que sou “filho” e senhor da propriedade. Melhor ainda, é dizer que somos co-herdeiros com Cristo e, assim, trabalhando em “algo nosso” e não como um estranho. Quanto mais pessoas entrarem na casa do Pai, melhor e mais feliz ficarei. Se alguém tarda a descobrir o chamado para ser “filho”, não importa. Pois ficarei imensamente feliz, por tê-lo descoberto e lamentarei que não tenha sido já antes, pois para ele teria sido melhor ter descoberto Deus Pai desde o início.
Sou infinitamente grato a Deus, por Ele ter me chamado já logo na primeira hora. Também o pagamento, a recompensa já deu-ma desde o início. Deus se dá no início, durante e também depois desta vida. Sua presença é sempre envolvente e gratificante. Ele se entrega a nós de graça, de modo que também a nossa entrega possa ser gratuita.
Se os caminhos de Deus são pavimentados com misericórdia, que também nossos caminhos sejam de misericórdia: coloquemos nossos corações junto ao coração de Deus e lá, onde Deus mesmo os coloca – ao lado dos marginalizados.
Se os caminhos de Deus nascem da gratuidade de seu amor, vivamos também nosso amor ou nossa fraternidade, a partir de um dom, que recebemos gratuitamente.
Se os caminhos de Deus passam pelos caminhos do Verbo Encarnado, sigamos seus passos e deixemos que seu caminho seja também o nosso caminho. Que o “estar com Cristo” seja nosso mais alto horizonte, nosso desejo mais profundo.
Se os caminhos de Deus passam pela tarefa de evangelização, que então nossa tarefa seja assumida como trabalho na casa do Pai e que nunca procuremos o pagamento, sabendo que somos recompensados já antecipadamente.