Os Dehonianos do Norte de Itália rumo ao XXIII Capítulo
As várias fases pelas quais passou a preparação. As áreas exploradas na situação atual e as perspetivas para o futuro. A participação alargada, as dificuldades encontradas, as questões que surgiram, as propostas e o impedimento da pandemia. Tudo isto se reflete no Instrumentum laboris.
A Província Dehoniana do da Itália do Norte celebrará o seu XIII Capítulo Provincial de 13 a 23 de junho de 2021. Trata-se de um momento fundamental na vida de uma província religiosa, frequentemente acompanhado de grandes expectativas, mas muitas vezes celebrado também com alguma desilusão e resignação. Todos conhecemos as dificuldades crescentes que a vida consagrada vai enfrentando diariamente: o envelhecimento constante, os problemas com a gestão das obras e das frentes de ação, a dificuldade de manter presenças significativas no campo pastoral… Como poderemos evitar viver este momento, deixando-nos levar por estas duas fortes oscilações? Haverá alguma maneira de evitar entrar na paragem da ilusão e depois ter de sair na paragem da desilusão uns dias depois?
Uma comissão sui generis
Começámos a colocar-nos estas questões há cerca de dois anos, na primeira reunião da comissão preparatória, encarregada de estabelecer o processo para a implementação do Capítulo. A consciência de que a história tem o seu próprio peso, tal como as relações que cansadas pelo tempo e, muitas vezes, por caminhos de vida complicados, levou-nos a considerar a possibilidade de nos deixarmos ajudar por consultores externos, capazes de oferecer um olhar desencantado sobre a nossa realidade. Sentimos que era fundamental que outros nos ajudassem a ler a nossa experiência, estimulando-nos a livrar-nos de quaisquer preconceitos ou avaliações demasiado condicionadas por leituras unívocas da realidade. Identificámos como ponto de referência para essa ajuda externa um casal, que já tinha tido a oportunidade de acompanhar a preparação das assembleias de outras congregações e, desde o início, pareceu-nos uma ideia com pernas para andar. De cinco membros o nosso grupo passou a contar com sete: o Superior Provincial, um ex-Superior, dois confrades do grupo dos mais jovens, um irmão com grande experiência e um casal, o Alberto e a Eva, com a riqueza da sua experiência de casal, mas também das suas competências específicas em recursos humanos e na gestão de grupos.
Os primeiros passos
Desde as primeiras reuniões, pareceu-nos evidente que era necessário partir da realidade humana da nossa Província, o verdadeiro capital à nossa disposição. Não podendo prever, por razões canónicas, um Capítulo alargado à participação de todos os membros da Província, sentimos, contudo, que uma das questões fundamentais tinha de ser a da participação e do envolvimento de todos, tentando reduzir ao mínimo os poços de indiferença e de autoexclusão dos processos de planeamento e de decisão. Se, portanto, era impossível convocar uma reunião plenária, nada nos impedia de irmos ao encontro de todas as nossas comunidades, na perspetiva de escutar todos os irmãos. Daí a intuição que sustentou o nosso percurso: o Capítulo tinha de começar, desde logo, com essa operação de escuta. Com o slogan: “o Capítulo já começou”, queremos olhar para a celebração de junho como o momento conclusivo do mesmo Capítulo.
Excluindo as figuras ligadas ao serviço do Governo provincial, presente e passado, achámos que podíamos identificar nos três membros da comissão sem tarefas específicas os perfis mais adequados para a operação de escuta. Uma vez que era necessário recolher material para ser reelaborado em data posterior, foi necessário construir um esquema homogéneo de recolha de informação que permitisse que todos os confrades se expressassem livremente também sobre outras questões. Ao mesmo tempo, porém, o encontro com as comunidades tinha de garantir que todos se sentiriam à vontade, num ambiente informal, constituído também por momentos fraternais partilhados. Graças a uma boa e bem sucedida escolha de calendário, em cinco meses e antes da chegada da tempestade do Covid, conseguimos chegar ao fim de uma ronda de reuniões que foi cansativa, mas sobretudo produtiva.
A primeira grande surpresa dos três visitadores, que logo foram batizados como os “Três Reis Magos”, foi ver como eram bem recebidos por parte de todos e como quase todos os irmãos aproveitaram tiraram bom partido da discussão. Um método simples, orientado, com base em três momentos – análise da realidade presente, projeção para o futuro, já depois de se ter realizado o Capítulo, após seis anos de escolhas, perigos a evitar durante a celebração do próprio Capítulo – deu a todos a oportunidade de se expressarem sobre a sua própria experiência emocional, mas também sobre a realidade concreta da nossa Província religiosa.
Demasiados dados, alguns soluços, uma pandemia
As muitas páginas recolhidas e registadas em ata foram revistas pelos três redatores em conjunto e constituíram a base de um trabalho de restituição, acompanhado com gráficos e resumos, capaz de colocar os dados nas mãos de todos, de modo a favorecer a perceção real da escuta realizada. O objetivo era tomar este material como base para organizar algumas tabelas de trabalho para a discussão em duas assembleias, idênticas na sua formulação, que teriam lugar em duas sessões seguidas, com o intervalo de duas semanas, de modo a permitir a participação de todos sem esvaziar as nossas comunidades. No entanto, lá fomos dando conta de que as coisas nem sempre correm conforme o previsto: a possibilidade de uma pandemia de coronavírus não tinha sido tida em conta nem sequer pela nossa comissão.
As assembleias previstas para maio tinham de ser obrigatoriamente adiadas para setembro. Mas lá se levantou a questão de como manter a alta tensão em relação às expectativas desencadeadas por aquilo que tinha sido feito anteriormente: o caminho mais lógico para seguir parecia ser o de solicitar a reflexão das nossas comunidades, através da proposta de uma grelha de questões com base em quatro áreas: estrutura e estilo de governo, elementos para um projeto provincial, papel da economia, legado espiritual e formação. Cada uma destas áreas foi introduzida por uma breve lista de documentos de referência que poderiam esclarecer as medidas tomadas sobre o tema na vida da nossa Província. As questões propostas não pretendiam voltar a questões que já tinham sido tratadas por cada um dos confrades, mas procuravam desenvolver estas questões para discussão no seio da comunidade, de modo a produzir mais material para a sua reformulação, em vista as assembleias de outono.
A resposta dada pelas comunidades fez-nos compreender que o caminho percorrido estava certo e realçou um bom nível de envolvimento, não tanto a nível da qualidade das respostas, mas sobretudo pelo facto de todas as comunidades se terem sentido envolvidas pelos nossos pedidos. Parecia que o desejo inicial de chegar à fase final do Capítulo, reduzindo o número de membros descontentes e marginalizados, tinha encontrado a sua primeira expressão concreta.
Assembleias pré-capitulares
A nível da comissão, começava agora uma terceira fase, bastante complicada mas decisiva: tratava-se de reelaborar todo o material recolhido, de modo a poder devolvê-lo sob a forma de temas circunscritos e definidos de forma clara, úteis para o estabelecimento da plataforma de trabalho para as assembleias.
Era evidente que, como sugeriam também alguns dos trabalhos de restituição das comunidades, não se poderia evitar reler tudo à luz da dramática experiência da pandemia.
Com a chegada de setembro, as condições sanitárias permitiram a realização das duas assembleias previstas. Foram realizadas em dois dias e programadas com um horário idêntico, com a participação de um elavadíssimo número de confrades, tendo em conta as ausências justificadas dos confrades doentes e acamados. Até os idosos se deixaram envolver e incomodar.
As assembleias foram construídas a partir de um acordo inicial que permitiu uma compreensão básica das expectativas e das regras de compromisso, mas não negligenciou o aspeto espiritual, considerando-o, antes, uma parte fundamental da experiência: a lectio sobre o Evangelho do dia e a celebração da Eucaristia, com alguns “comprimidos” sobre o tema da comunidade, considerada como o fio condutor de todas as nossas reflexões, deu um sentido do contexto em que um Capítulo deve ganhar forma.
A ideia de fundo que se seguiram era reconstruir o clima de uma praça, a clássica praça da aldeia onde se pode passar de um bar para um restaurante, discutindo livremente os tópicos propostos, aceitando a moderação de um mediador presente em cada mesa, mas com a máxima disponibilidade de tempo e com vontade de tratar apenas dos tópicos considerados realmente importantes. Cada mesa da praça, donde se podia ir embora depois de ter esgotado os seus tópicos, proporcionava um lugar de discussão sobre um tema introduzido por um breve esboço previamente fornecido a todos os participantes. Os sete temas propostos representavam o condensado que a comissão tinha conseguido extrair de todo o material produzido pela escuta dos meses anteriores e que tinham sido propostos, mesmo sabendo que, provavelmente, algumas questões voltariam a surgir repetidamente em diferentes frentes.
A realidade da terceira e quarta idades, o tema da gestão económica, a relação com o resto da Congregação, a questão das estruturas de governo, a formação permanente, o aspeto da solidariedade e o tema da nossa pastoral com a participação de leigos e de outras realidades eclesiais: foram estes os animados pontos de encontro na nossa praça que, durante uma tarde, desfrutou da franqueza de dizermos coisas importantes uns aos outros de forma diferente. De facto, de um embaraço inicial óbvio vimos florescer um certo interesse e uma abertura inesperada a este novo método. No final da atividade, um pequeno comité editorial para cada mesa elaborou uma coleção orgânica de todas as intervenções, sob a forma de notas post-it, deixadas pelos participantes.
As sete sínteses foram retrabalhadas, numa segunda fase, em sete novas “tabelas de confiança”, onde se tentou elaborar em conjunto um documento sintético, mas unanimemente partilhado para ser submetido às últimas intervenções da assembleia plenária. Esta última fase teve também em conta um método que garantiria três intervenções por pessoa (cada uma, no máximo, de um minuto): o objetivo era evitar deixar demasiado espaço a alguns, tentando favorecer intervenções direcionadas e pontuais.
As conclusões finais, antes de nos despedirmos, em geral, deram razão ao método escolhido: expressões como a experiência da fraternidade, a satisfação das expectativas, a possibilidade de raciocinar em conjunto, foram o corolário das saudações.
No momento presente
Face à conclusão positiva das duas assembleias, a Comissão do Capítulo encontrou-se diante de um corpus de catorze fichas (sete por cada assembleia) para reelaborar e interpretar tendo em vista a produção do Instrumentum Laboris.
Com pontualidade sistemática, a chegada do outono trouxe de volta os tempos de rigor e restrições ligadas ao recrudescimento da pandemia: mais uma vez um tempo de suspensão, de certa forma útil à nossa reflexão, mas também um tempo de novos e difíceis desafios, um tempo a ter em conta na elaboração do nosso percurso. De facto, perguntámo-nos de que forma deveríamos ter tido em conta todo o material elaborado à luz do que estava a acontecer à nossa volta e nas nossas próprias comunidades.
Começava, agora, a fase que nos havia de levar ao último passo, aquele que nos pedia para nos tornarmos não apenas ouvintes capazes de guardar fielmente os pedidos dos confrades, mas sobretudo escritores de um documento final que traria as aquisições amadurecidas pessoalmente durante esta longa viagem. Pensámos num documento não muito grosso, de cerca de quinze páginas, com uma introdução capaz de dar conta do caminho percorrido e das provocações que nos chegaram destes tempos difíceis. Cada secção foi estruturada procurando destacar o tema, as orientações e uma lista de possíveis propostas concretas para discussão.
Um dos objetivos do Instrumentum Laboris é que este possa também servir de estímulo para um ulterior aprofundamento comunitário, que está nas mãos dos delegados eleitos para a fase final do Capítulo. Inventámos uma espécie de “Instrumentum Laboris aumentado”, que pretende ser um instrumento de trabalho e (mesmo) de esforço que agora confiamos a uma Província que, embora sobrecarregada pelos anos e pela situação, reconhecemos como ainda ansiosa por se dedicar ao serviço do Reino.
Uma aposta: ouvir para gerar
Todo o processo descrito merece uma consideração final. Escutar é sempre a melhor forma de voltar a pôr em circulação o desejo de pertencer e o sentido de fraternidade, mas também de reduzir ao mínimo a quota de desconfiança resignada que hoje em dia amargam parte da vida consagrada: uma escuta verdadeira e sincera pode deprimir até mesmo o medo da morte. De momento, tentámos escutar-nos mais uns aos outros, a ver se fomos capazes de uma verdadeira escuta capaz de gerar decisões boas e produtivas para o futuro.
Para ser dignamente celebrado, um Capítulo precisa de escutar a Palavra e de escutar as palavras dos irmãos: neste clima será possível redescobrir que um carisma ainda pode ser o sinal distintivo de pertença a Cristo, Senhor da vida.
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