A SEPULTURA
Este mistério fecundo e tocante lembra-nos Belém. A sepultura é o berço onde Nosso Senhor nascerá para a vida gloriosa, depois de ter dormido o sono da morte.
I. Os ensinamentos do santo Sepulcro: a vida escondida
Depois da descida da cruz, o corpo sagrado do Salvador é entregue à sua mãe que o cobre de beijos. Todos os seus amigos se comprimem junto d’Ele, a fim de lhe prestarem um culto de amor e de respeito. A Santa Virgem limpa as chagas, as cicatrizes dolorosas; S. João, Nicodemos, José de Arimateia, as santas mulheres embalsamam o corpo divino e depõem-no, depois, neste sepulcro que as alegrias da ressurreição devem tornar glorioso. Durante aquele tempo, a alma santa do Salvador vai visitar os santos da antiga lei que aguardam a salvação.
Apliquemos estes ensinamentos aos amigos do Sagrado Coração. Vós sois sepultados com Cristo no baptismo, diz S. Paulo, vós estais mortos e a vossa vida está escondida em Deus com Cristo. Tal é o estado do verdadeiro discípulo do Sagrado Coração. Morreu para este mundo; é insensível às suas alegrias, aos seus prazeres, às suas ambições; nem sequer conhece a sua linguagem maldita, e o seu coração está escondido no Sagrado Coração de Jesus. Eis a sua sepultura, o seu túmulo e também o seu paraíso. Vive largamente, aspira todo o amor do Sagrado Coração, mas nada sabe de outro, e é por isso que ele passa por morto aos olhos deste mundo insensato, cujos juízos despreza. Uma ressurreição espiritual já teve lugar para ele neste lugar divino do Sagrado Coração, mas o mundo ignora-o e toma por morto aquele que goza de toda a plenitude da vida.
Este amor que se esconde no Coração de Jesus, longe dos olhos dos homens e sob o único olhar de Deus, tal é a nossa vida íntima. Para os actos exteriores da vida ordinária, abandonamo-los totalmente nas mãos dos nossos superiores, representantes de Deus, do mesmo modo que abandonamos absolutamente o nosso amor e a conduta da nossa alma ao amor e aos cuidados do Sagrado Coração.
II. A caridade mútua
Mas um grande dever nos é ensinado pelos cuidados caridosos que os amigos de Jesus desenvolvem a respeito do seu corpo sagrado que se tornou /396 sua propriedade pela morte. É o modelo da caridade que nós devemos ter uns para com os outros.
Recordamo-nos do que disse S. João: «Aquele que não ama o seu irmão que vê e que pretende mesmo assim amar a Deus que não vê, encontra-se na mentira e na ilusão». Ah! Podemos esquecer-nos que somos filhos daquele que, quebrado pela velhice, não se cansava de repetir: «Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros: está aqui toda a lei do Senhor; se a cumprirdes, isso basta». É preciso que, sobretudo, os Superiores façam reviver em si mesmos o apóstolo da caridade e que as pessoas do mundo exclamem, ao ver os discípulos do Sagrado Coração: «Vede como se amam!»
Não basta aqui ter sentimentos interiores de caridade para com os seus irmãos e não se ocupar senão do seu bem espiritual. Devemos velar a tudo o que pode ser-lhes agradável do ponto de vista puramente exterior, sob a condição, todavia, de não ferir nem as leis da simplicidade nem as da pobreza. Mas, hoje, o egoísmo coloca-nos em perigo de cair no excesso contrário.
Contemplemos, portanto, a Santa Virgem e S. João aos pés do corpo sagrado de Jesus. Eles prodigalizam-Lhe todos os cuidados que Lhe podiam dar e aqueles que não podiam; substituem-nos com a sua compaixão, a sua terna afeição, a sua suave caridade. Assim, devemos nós também agir a respeito dos nossos irmãos; cuidemos deles, acudamos a todas as suas necessidades legítimas e, se não podemos passar certos limites, substituamos o que não nos é permitido fazer com a mais suave caridade: a caridade consola de tudo.
É, sobretudo, durante as suas doenças que devemos prodigalizar todos os nossos cuidados ao Corpo sagrado de Jesus na pessoa dos nossos irmãos. Ajudemo-los espiritualmente, persuadindo-os a abandonar-se com todo o seu coração à doce direcção do Sagrado Coração de Jesus que, na maior parte do tempo, quer ser o seu médico; e, por outro lado, prodigalizemo-nos por eles e concedamos-lhes tudo o que está ao nosso alcance, recordando-nos do que diz S. João: «Qui habuerit substantiam hujus mundi, et viderit fratrem suum necessitatem habere, et clauserit viscera sua ab eo, quomodo caritas Dei manet in eo? Quem vê sofrer o seu irmão e não o alivia na medida do seu poder, como pode dizer que ama a Deus?»
III. O nosso coração é o sepulcro do Salvador na comunhão
O sepulcro que encerra o corpo adorável de Jesus Cristo recorda-nos também o nosso próprio coração que tão frequentemente se torna, pela comunhão, o lugar de repouso do Sagrado Coração. Ah! Que Ele aqui repouse realmente e diga: In pace dormiam et requiescam: que Ele encontre a paz e o amor do qual o privam tantos corações aos quais se dá!
Enquanto Jesus repousa no vosso peito como num túmulo, deveria encontrar lá todos os cuidados que encontrou no Gólgota: a compaixão de Maria, o terno amor de S. João, as lágrimas e a generosidade de Madalena e das santas mulheres, os cuidados de José de Arimateia e de Nicodemos.
No túmulo Ele estava morto, mas a sua alma agia, visitava os limbos, intercedia pelos seus discípulos.
Jesus parece inactivo também na comunhão, mas age em nós tanto quanto as nossas disposições lho permitem.
Deixemo-lo agir bem, fazendo paz e silêncio na nossa alma, afastando toda a agitação, toda a solicitude e toda a perturbação.
Resolução. – Ó Jesus, eu desejo que a minha alma seja um lugar de paz e de repouso. Perdão por todas as minhas comunhões mal feitas! Eu vos renovo o dom do meu coração. Esconder-me-ei em Vós, como Vós vos escondestes no túmulo e, perante o meu próximo, hei-de imitar a terna caridade que os discípulos do Calvário manifestaram para convosco.
(Léon Dehon, Couronnes d’amour au Sacré-Coeur)