Entrevista com o P. Maggiorino Madella, scj, missionário em Angola, que no limiar do seu 80º aniversário, repercorre algumas etapas da sua vida como missionário, à luz do Evangelho.
Corria o mês de outubro de 1970 quando o P. Madella pisou pela primeira vez o solo africano, há precisamente 50 anos. Infetado com COVID-19 juntamente com outros irmãos em Angola, regressou a Itália. A experiência do isolamento em casa e no hospital foi uma prova difícil, mas vivida numa atmosfera de amor, na certeza de que Deus é amor para todos. Entrevistámo-lo.
Madella, como surgiu o seu desejo de ser missionário? Porquê a África?
Não escolhi ir para a África. Vivi os primeiros anos da minha vida e da minha juventude, tanto em família como na Congregação, num ambiente formativo de abertura, diálogo e acolhimento. Quando no 3º ano de Teologia os superiores me perguntaram o que eu queria ser no futuro, manifestei o desejo de ir para o estrangeiro. Com toda a disponibilidade. A resposta foi: Moçambique. A África era nova e grande para mim, muito menos problemática do que como a vejo agora.
Mantenho a ideia de África de uma forma positiva. Houve muitas divisões e ocupações no passado, como noutras partes de África ou da América Latina. Mas desde o início fui ajudado a inserir-me na terra africana. Fiz um estágio de dois anos na Madeira com o objetivo de trabalhar em âmbito pastoral. Partimos dois para Moçambique. Corria o mês de outubro de 1970, há precisamente 50 anos. Era o tempo colonial, um tempo de aventura. Mas quando cheguei a Moçambique, fui colocado num setor completamente diferente: a formação. Também isto é disponibilidade.
Quais as características da Igreja em África que o marcaram mais profundamente?
Eu cheguei à África no pós-Concílio. Já estávamos sensibilizados pelo impulso conciliar do Vaticano II. Em Moçambique encontrei uma igreja tradicional, a tentar criar estruturas, com a figura do missionário e catequista ao centro. Criámos um fermento, uma transformação gradual. A reação não foi muito positiva e os missionários seniores não estavam muito entusiasmados com a nossa forma de ver as coisas. Nós, os jovens missionários, queríamos transformar a Igreja numa Igreja mais dinâmica e ministerial; queríamos dar mais formação e tornar as pessoas mais corresponsáveis. Foi um trabalho lento e gradual, que me levou a trabalhar também a nível diocesano, de acordo com a mentalidade do Vaticano II.
…mas em África as pessoas já tinham fé…
Os africanos são pessoas religiosas, instintiva, profunda e extensivamente. Levar o Evangelho, evangelizar é outra coisa. Trata-se de enxertar o caminho evangélico na Igreja entendida como uma família, onde todos são corresponsáveis.
Diz-se muito que a África será o futuro da Igreja, em relação às vocações. Que pensa disso?
É verdade que a África está a experimentar um dinamismo muito forte a nível religioso e cristão. Graças também à dinâmica pós-conciliar, a vida do Evangelho impregna mais profundamente as comunidades cristãs. Há vocações tanto a nível cristão como nos seminários, e este fenómeno está a crescer muito. Mas também há contradições. Não é fácil assimilar uma novidade fermentada pelo Evangelho. No entanto, penso que a África terá um grande futuro, no serviço aos outros.
Há que ter em conta que, nesta dinâmica, o protagonista é o Espírito Santo. Nós ajudamos, colaboramos, tentamos partilhar, para que o fermento do Evangelho possa transformar-se em novidade de vida. Mas é preciso dar espaço ao Espírito de Deus.
Ficou em Moçambique 34 anos e depois foi para Angola.
Vivi 16 anos em Angola. A realidade é bastante diferente. Moçambique ficou mais tradicional, mais lento, fechado. Depois da unificação, Angola apresenta-se como um país mais aberto a experiências diferentes.
Onde gostou de trabalhar mais?
Oh! Não!… Não se trata de gostarmos, trata-se de nos darmos a nós mesmo. Vivi em muitas comunidades e trabalhei em diferentes setores. Tentei ser disponível e criativo. Não me considero um génio, mas acolho o que me dizem e relanço o que ouço. Quis criar algo novo no grupo missionário dehoniano, algo de novo que ajudasse ajudasse a mudar.
Que conselhos dá aos jovens religiosos que desejam servir a Igreja em África?
Falar aos outros é sempre algo delicado. É preciso sermos nós mesmos, para termos uma identidade humana e cristã autêntica e forte. Além disso, ser muito abertos. Tudo isto requer humildade, dedicação, capacidade de caminhar com os outros, sem se mostrar superiores e mestres. Dialogar, dialogar e ser audazes…
Falou-se e continua a falar-se de inculturação. Em África, misturam-se várias culturas e tradições. Que pode dizer-nos sobre isto?
A cultura tem valores e limites. Devido aos seus valores, ela deve ser escutada, respeitada, valorizada, e é preciso entrar numa relação construtiva com ela. Há também limites, tais como os limites linguísticos. Penso que devemos agir com equilíbrio, sem nos sentirmos superiores. É o Evangelho que incultura e faz fermentar os valores locais.
Somos colaboradores do Evangelho. Só o Evangelho pode transformar. E nós, como colaboradores, devemos desaparecer e deixar-nos transformar.
A inculturação litúrgica é uma etapa: há coisas que funcionam e outras que não funcionam. O importante é que os africanos se tornem protagonistas da sua fé, da sua cultura, de acordo com o espírito do Evangelho.
Devemos estar sempre disponíveis, de formas diferentes.