14 novembro 2024
14 nov. 2024

Um olhar dehoniano sobre Dilexit nos

Após 68 anos, temos novamente uma encíclica dedicada à teologia e à devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Padre Emerson Marcelo Ruiz, scj propõe uma leitura dehoniana dessa Encíclica.

por  Emerson Marcelo Ruiz scj

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A Carta Encíclica Dilexit Nos, “sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus”, foi publicada em 24 de outubro de 2024 e tem suscitado particular interesse, sobretudo nos movimentos e congregações que deitam suas raízes na devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Depois de 68 anos (Haurietis Aquas foi publicada em 1956) temos novamente uma encíclica dedicada à teologia e à devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

A natureza do texto, uma encíclica, reflete sua envergadura. Segundo Mons. Bruno Forte, “a encíclica oferece a chave para todo o magistério do Papa”, e o próprio Papa parece indicar essa conexão em sua conclusão. Citando Fratelli Tutti e Laudato Si´,  o pontífice afirma que “bebendo desse amor, tornamo-nos capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada ser humano e de cuidar juntos da nossa casa comum” (217). Neste último número é possível ver certa conexão com nossas Constituições: “Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito Santo e unido aos irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja” (Cst 3)

Sabemos que um escrito do magistério exige uma recepção atenta e é compreendido aos poucos, à medida que suas camadas e articulações são localizadas. É como um mosaico composto por pedras de diversas origens que foram zelosamente lapidadas e assentadas. Neste breve texto, lançaremos uma rápida, mas afetuosa olhadela sobre Dilexit Nos, apontando algumas pedras preciosas que também fazem parte de nossa herança carismática.

Estrutura do texto.

Dilexit nos é organizada em cinco capítulos assimétricos.
O primeiro capítulo –  A Importância do Coração (2-31) – assinala que o coração é o lugar da síntese pessoal, da identidade profunda, é fogo que plasma os fragmentos de cada existência e torna possível qualquer vínculo autêntico. O coração unifica. O breve segundo capítulo – Gestos e palavras de amor (32-47) -, parece um pequeno retiro inaciano sobre o coração. Em uma peregrinação por algumas páginas evangélicas contemplamos os gestos, olhares e palavras do Senhor. Os sentidos revelam o coração. Como nos ensinou Padre Dehon, a escritura deve ser contemplada na perspectiva do Coração de Jesus (cf. CAM I/151). No terceiro capítulo – Este é o coração que tanto amou (48-91) – o Papa Francisco ressalta que não se trata da adoração de um órgão separado da pessoa de Jesus, mas da pessoa inteira do salvador que se oferece no altar da cruz. O coração do mestre é a síntese encarnada do Evangelho. O quarto capítulo – amor que sacia (92-163) – é o mais longo de todos. Trata-se de uma jornada histórica que partindo das Escrituras, chega até o “Pequeno Caminho”: Teresa de Lisieux e Charles de Foucauld. O eixo deste percurso reside em Santa Margarida Maria (1647-1690), mas Francisco destaca diversos outros místicos e, sobretudo, o papel da Companhia de Jesus. Ele lembra que os jesuítas aceitaram “o suavíssimo encargo […] de praticar, promover e propagar a devoção ao seu diviníssimo Coração” (146). É comovente perceber que nesta longa peregrinação por santos, escolas e doutores da Igreja, os parágrafos finais tenham sido dedicados à Piedade Popular. Por fim, o último capítulo – Amor por amor (164-220) – aprofunda a dimensão comunitária, social e missionária de toda autêntica devoção ao Coração de Cristo. A missão é uma questão de coração. Quanto à “reparação social”, citando São João Paulo II, o Papa afirma que em meio às ruínas, estilhaços e aos fragmentos do nosso pecado, o coração de Jesus aguarda a nossa resposta de amor. “É a nossa resposta ao Coração amante de Jesus Cristo que nos ensina a amar” (183) construindo a Civilização do amor. Sabemos como a dimensão responsorial estrutura as nossas Constituições e são uma compreensão renovada de reparação.

Após este olhar sobre os cinco capítulos de Dilexit Nos, apresentamos dois elementos que contribuem para a compreensão de nosso patrimônio carismático.

Duas santas francesas.

Dilexit nos foi publicada no ano jubilar dos 350 anos das aparições de Paray-le-Monial. No entanto, o texto vai além da devoção no modo como foi concebida por Santa Margarida Maria. Testemunho disso está no longo capítulo histórico (III) e no recorte missionário e social do último capítulo (V). Embora esteja bastante vinculada a diversos santos, autores e místicos franceses, o texto possui uma curiosa abertura pastoral universal, especialmente quando aponta as intuições teológicas do sensus fidei e da piedade popular (86, 154, 160).

É curioso que, embora Santa Margarida Maria e São Cláudio de la Colombière recebam um lugar proeminente no texto (119-128, 165-166), parece que o Papa Francisco tenha se ancorado em outra santa francesa para propor novos caminhos para a devoção. Santa Terezinha de Lisieux é citada mais de vinte vezes no texto não somente em um bloco, mas em diversos números (90, 133-142,195-199, 216), como que apontando novos avanços, sendas e renovações na devoção ao coração amado de Cristo.

Dilexit Nos acentua que Teresa descobre um coração que a liberta de todo medo e que aceita sua pequenez, humildade. Na experiência de Teresa, Jesus não lhe pede que busque a perfeição, mas a dedicação e a confiança: “Os meus desejos de martírio não são nada, não são eles que me dão a confiança ilimitada que sinto no coração. Para dizer a verdade, são as riquezas espirituais que tornam alguém injusto, quando descansamos nelas com complacência, e cremos que são algo de grande. […] O que lhe agrada é ver-me amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que tenho na sua misericórdia…. Eis o meu único tesouro […]. Se desejais sentir alegria, sentir atração pelo sofrimento, é a vossa consolação que procurais […]. Compreendei que para amar Jesus, para ser a sua vítima de amor, quanto mais fraco se é, sem desejos, nem virtudes, tanto mais puro se está para a ação deste Amor consumador e transformante […]. Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor” (DN 138). Uma breve leitura deste texto evidencia alguns temas do patrimônio carismático, como o voto de vítima e o abandono, que receberam um novo enfoque em Terezinha.

Os comentários de Padre Dehon sobre Terezinha de Lisieux são conhecidos, mas convém recordar. Em abril de 1925, Padre Dehon acrescenta em seu Diário:  “Teresa do Menino Jesus se oferece como vítima ao amor misericordioso de Jesus.  É o abandono à vontade de Jesus no espírito de amor e de imolação… Nascemos do espírito de Santa Margarida Maria e nos aproximamos do de Santa Teresa…” (NQT 45/70).

Santa Margarida Maria foi quem fortemente influenciou a devoção ao Coração de Jesus em Padre Dehon. Teresa de Lisieux faleceu em 1897.  Ao descobrir os escritos da “Irmã Teresa”, o Padre Dehon viu suas próprias ideias sobre o amor de Deus adquirirem um novo vigor. Em 1905, apenas oito anos após a morte de Teresa, ele publicou uma meditação sobre a maneira como ela entendia a relação entre amor e sofrimento. Assim, nosso fundador encontrou um novo acesso para a devoção. Em 2025, a celebração do centenário da morte de Padre Dehon coincide com o centenário da canonização da santa carmelita, e é uma ocasião privilegiada para um novo ingresso nesta “porta aberta” deixada pelo fundador e agora destacada pelo papa Francisco.

Padre Dehon no rodapé de DN.

Uma segunda questão é a presença de nosso Pai Fundador na nota n. 99 (Capítulo IV), uma citação do Diretório Espiritual (cf. DSP 141). Muito se falou sobre isso e por isso um breve comentário.

Para os dehonianos, é uma alegria testemunhar o reconhecimento ao ver seu fundador citado em uma encíclica, especialmente após os eventos de 2005. Talvez alguns esperassem algo mais. Entretanto, é notório o modo como o Papa Francisco redige seus textos, em que as “notas de rodapé” têm particular importância, indicando processos, relações e gratidão, como se pode perceber na primeira nota de DN, em que o pontífice cita o P. Diego Fares (SJ), escritor e pregador argentino, seu antigo formando.

Na pequena nota há um grande reconhecimento. No entanto, as intuições de Padre Dehon ultrapassam aquelas linhas e estão presentes em outros momentos como nas reflexões sobre o Reino do Coração de Jesus (28) ou na Reparação Social (182-184).

Nossa missão diante de Dilexit Nos

Podemos concluir nos perguntando sobre a nossa presença e missão na encíclica… Quando o texto nomeia “ao acaso” algumas congregações cuja devoção ao Coração de Jesus é central no seu patrimônio carismático (150), emerge um convite a um aprofundamento da devoção e da teologia. Essa renovada dedicação à devoção ao Coração de Jesus pode se dar  através de leituras de textos do fundador, reflexões comunitárias sobre DN ou na meditação sobre o impacto dessa devoção na cotidianidade de cada dehoniano. Por fim, trata-se um convite único a considerar cada pequeno apostolado como uma “questão de amor”. À luz do Sagrado Coração, a missão torna-se uma questão de amor, e o maior risco desta missão é que se digam e façam muitas coisas, mas não se consiga promover o encontro feliz com o amor de Cristo que abraça e salva” (204).

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